Os ecossistemas Mediterrânicos ocupam apenas 1,2% da superfície terrestre e, resultado das suas características climatéricas, encontram-se geograficamente bem delimitados (31º – 40º norte e sul), em 5 regiões disjuntas do globo, nas encostas ocidentais dos continentes: Califórnia, Chile, sul de África, sudoeste da Austrália e Bacia do Mediterrâneo. A maior destas regiões é a Bacia do Mediterrâneo, que se estende desde Portugal ao Líbano, ao longo de cerca de 3800 km de este para oeste, e da costa sul de Itália a Marrocos e Líbia, ao longo de cerca de 1000 km de norte para sul.
Em Portugal, a mancha Mediterrânica concentra-se maioritariamente entre a zona do Tejo ao Sul do país, abrangendo toda a região Alentejana e Algarvia.
Fig.1 – Os ecossistemas Mediterrânicos do mundo (Vogiatzakis et al, 2006)
O clima Mediterrânico é caracterizado por regimes pluviométrico e térmico irregulares: a chuva é relativamente abundante no Inverno (episódios curtos mas violentos) e muito rara no Verão, sendo a precipitação média anual pouco elevada, entre 275-900 mm; quanto à temperatura e humidade, os Verões são quentes e secos e os Invernos frescos e húmidos, embora instáveis, registando-se uma amplitude térmica anual moderada.
Existem na Bacia Mediterrânica mais de metade dos tipos de habitat listados na Directiva Habitats (Directiva Europeia cujo principal objectivo é contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e de espécies da flora e da fauna selvagens considerados ameaçados no território da União Europeia), dos quais 37 ocorrem apenas nesta região. Esta diversidade de habitats deriva de um conjunto de factores, onde se incluem o clima, a geologia variável e complexa topografia da paisagem e o facto de esta região não ter sido seriamente afectada pela última glaciação que atingiu a Europa.
A Bacia Mediterrânica é uma região topográfica e paisagisticamente muito diversa, com imponentes montanhas, desertos, zonas costeiras rochosas, extensas praias de areia, florestas e matagais impenetráveis, pseudo-estepes, zonas húmidas costeiras e uma miríade de ilhas de diferentes formas e tamanhos. Trata-se de um mosaico de paisagens não só naturais, como culturais, onde a civilização humana e a natureza silvestre coexistem há milénios.
Esta coexistência, marcada pela exploração dos recursos naturais através de actividades agrosilvopastoris, aliada às elevadas temperaturas verificadas no Verão, levou à sucessiva redução do estrato vegetal original e consequente substituição de grande parte da floresta Mediterrânica inicial por bosques, comunidades arbustivas com matos e arbustos, nomeadamente esclerófitos, em diferentes estádios de evolução, e comunidades herbáceas (e.g. ervas aromáticas, gramíneas).
Como resultado, a paisagem Mediterrânica é actualmente constituída por um conjunto de diferentes tipos de biótopos: florestas, montados de sobro e azinho, bosques, zonas húmidas, matos e matagais e ainda algumas áreas mais degradadas e áridas com apenas plantas anuais ou rocha nua.
Em Portugal, o biótopo que merece maior destaque é o dos montados – as florestas de sobro correspondem a uma área de aproximadamente 736.000 hectares (70% dos quais na região do Alentejo), sendo o país do mundo com a maior área deste tipo de floresta (cerca de 33% da área total mundial), apesar da pequena dimensão do território nacional.
Florestas
As florestas actuais são normalmente dominadas por várias espécies do género Quercus, mas à medida que a altitude aumenta estes vão sendo substituídos por castanheiros (Castanea sativa) e espécies de coníferas dos géneros Abies, Pinus, Juniperus e Taxus.
Montados
O montado consiste num sistema silvopastoril ou agrosilvopastoril desenvolvido ao longo de milénios, resultado da abertura por desadensamento do copado e gestão artificiais das florestas naturais, de forma a conseguir uma maior produtividade a longo prazo em condições frequentemente adversas (solos pobres e condições climatéricas duras). Trata-se de um ecossistema específico, semi-natural, delicadamente equilibrado, onde a agricultura (pastos e campos cultivados) e a pecuária (criação de gado em regime extensivo) se encontram naturalmente integradas nas extensas florestas de sobro e azinho.
As principais alterações funcionais e estruturais relativamente ao habitat florestal inicial foram: aumento da insolação no sub-coberto, desaparecimento do microclima florestal, alteração do solo florestal, eliminação do sub-bosque, depressão da regeneração natural, poda das árvores e substituição do sub-bosque através da promoção de vegetação não-florestal no sob-coberto (pastagens, matos heliófilos, culturas de cereais, forragens, girassol, etc.).
Na ausência de gestão, muitos montados não são sistemas ecologicamente sustentáveis (as pastagens dependem do sistema agropastoril e a componente arbórea de acções de silvicultura).
As alterações à floresta primitiva resultaram num tipo de paisagem em que a dominância ecológica é partilhada por:
(i) um remanescente arbóreo de antigos bosques, onde o género Quercus é dominante, com grandes áreas de azinheira (Quercus rotundifolia) e matagais (e.g. medronheiro Arbutus unedo, carrasco Q. coccifera, murta Myrtus communis, folhado Viburnum tinus, espargos Asparagus sp.), mas maioritariamente representado pelo sobreiro (Q. suber); mais a norte, o carvalho-negral (Q. pyrenaica) também está presente; a densidade arbórea pode variar desde o copado quase cerrado a inexistente;
(ii) uma pastagem cespitosa (formando touceiras) vivaz com origem e persistência associada à pastorícia extensiva de ovinos (e.g. Poa bulbosa, Trifolium subterraneum subsp. oxaloides, T. subterraneum subsp. subterraneum, T. suffucatum, T. tomentosum, T. nigrescens, Herniaria glabra, Parentucellia latifolia, Bellis annua subsp. pl., B. sylvestris, Erodium botrys, Gynandriris sisyrynchium, Leontodon tuberosus, Carex divisa, Paronychia argentea, Astragalus cymbicarpus, Onobrychis humilis, Hypochaeris radicata subsp. pl., Merendera filifolia, Plantago serraria, Ranunculus bullatus, e algumas espécies anuais Ornithopus sp. pl., Astragalus, sp. pl., Vicia sp. pl.).
A importância dos montados
A grande produtividade dos montados só é alcançada graças ao papel fundamental que estes desempenham em processos ecológicos como, por exemplo, a retenção de água e regulação do ciclo da água, conservação do solo e fixação de CO2 graças à singular estrutura celular do sobreiro (estima-se que, na sua totalidade, o montado português fixe anualmente 4,8 milhões de toneladas deste importante gás com efeito de estufa). Estas características levaram a que o montado se tornasse um importante refúgio de biodiversidade e fonte de recursos naturais (para consumo animal e humano), constituindo um dos valores de conservação mais importantes da Ecoregião Mediterrânica.
Os montados têm a capacidade de imitar ecossistemas Mediterrânicos naturais, sendo por isso alternativas bastante atractivas, tanto numa perspectiva ecológica, ao suportar uma biodiversidade riquíssima, como económica, ao permitir a realização em paralelo de um vasto conjunto de actividades rurais economicamente sustentáveis e importantes para a região, proporcionando oportunidades de desenvolvimento em áreas social e economicamente desprotegidas (por oposição a, por exemplo, cultivos de sequeiro ou sistemas de regadio em que todas ou a maioria das árvores são removidas).
O montado é, sem dúvida, um dos melhores exemplos no Mediterrâneo do equilíbrio entre conservação e desenvolvimento para benefício das pessoas e da natureza.
Matagais
Em várias áreas, a floresta primitiva foi dando lugar a duas formações secundárias, os maquis e os garrigues. Estes dois tipos de matagais são constituídos por espécies arbustivas de formas e tamanhos diferentes. Os maquis são matagais fechados (difíceis de atravessar) compostos por arbustos muito densos, com 1 a 4 metros de altura, normalmente assentes em rochas graníticas ou siliciosas, tendo como espécies mais comuns o medronheiro, aroeira (Pistacia lentiscus), zambujeiro (Olea europaea var. sylvestris), murta, esteva (Cistus ladanifer), urze (géneros Erica e Calluna), tojo (Ulex spp), giestas (Cytisus spp), alfarrobeira (Ceratonia siliqua) e o carrasco. Por oposição, os garrigues são zonas de matos mais abertos, constituídos por espécies arbustivas mais rasteiras (até 1m de altura) e dispersas, como o carrasco, cistáceas e várias espécies aromáticas (e.g. rosmaninho Lavandula stoechas, alecrim Rosmarinus officinalis, tomilho Thymus vulgaris).
Estas complexas estruturas da vegetação albergam ainda uma grande diversidade de coloridas flores como tulipas, narcisos (Narcissus spp), açafrão (Crocus sativus) e orquídeas.
Zonas agrícolas e pastagens
Estas zonas ocupam cerca de 40% da Bacia Mediterrânica, desde extensas áreas de cultivo, olivais ou pomares de citrinos intensivos a um mosaico de áreas agrícolas mistas e de menores extensões. Até mesmo nas zonas de pastagem mais secas se obtém produção – através de um sistema de rotatividade de culturas, os agricultores conseguem produzir nestes solos pobres cereais como trigo, aveia, grão-de-bico ou cevada. Estas zonas assumem uma grande importância para as aves estepárias, como é o caso da abetarda (Otis tarda), do sisão (Tetrax tetrax) ou da calhandra-real (Melanocorypha calandra), espécies que se podem encontrar nas pseudo-estepes Alentejanas.
A conjugação única do clima, irregularidade orográfica da paisagem (geologia e biogeografia da região), elevado grau de perturbação natural (e.g. incêndios de origem natural) e história a que o ecossistema Mediterrânico foi sujeito ao longo do tempo (e.g. área pouco afectada pela última glaciação), resultou na sua invulgar heterogeneidade ambiental interna, riquíssima biodiversidade e num grande número de espécies que não se encontram em mais nenhum lugar no mundo (endemismos).
Todas as 5 regiões Mediterrânicas estão incluídas na lista global das eco-regiões que merecem uma atenção especial de conservação, bem como na lista dos 25
hotspots do mundo com maior diversidade biológica e endemismos em risco. De facto, em termos de
hotspots de biodiversidade, o ecossistema Mediterrânico só é superado pelas florestas tropicais, pois detém uma vasta diversidade florística.
Só na Bacia Mediterrânica, um dos lugares mais ricos do mundo em termos de diversidade de plantas e animais, e da qual Portugal faz parte, existem cerca de 25 mil espécies de plantas vasculares (10% da flora mundial), 60% das quais endémicas. Existem mais espécies de plantas aqui que no conjunto de todas as outras regiões biogeográficas da Europa.
Com tão rica diversidade florística, a fauna associada a este tipo de ecossistema é igualmente muito variada, para além de bem adaptada às condições climatéricas destas regiões. Cerca de um terço das espécies de fauna são endémicas da região, com destaque para os grupos dos anfíbios, caranguejos, répteis, peixes de água doce e espécies marinhas macroscópicas.
Quase metade das espécies de flora e fauna listadas na Directiva Habitats ocorrem na Região Mediterrânica.
Flora
Numa resposta adaptativa ao clima, a vegetação das várias regiões Mediterrânicas desenvolveu adaptações (forma e resposta funcional) semelhantes. Desta evolução convergente resultaram árvores e arbustos, normalmente de pequeno porte, de folhas persistentes, duras (esclerófilas), pequenas e revestidas por uma película cerosa, características que ajudam a conservar a humidade e a evitar perdas de água por evapotranspiração. Estas árvores e arbustos também desenvolveram inúmeras adaptações aos incêndios, recorrentes neste tipo de paisagem, como, por exemplo, uma casca espessa e dura que protege o tecido vegetal das elevadas temperaturas, capacidade de regeneração pós-fogo, por rebentamento (rizomas, toiças ou rebentos basais) e/ou capacidade de germinação de sementes estimulada pelas elevadas temperaturas do fogo.
Das árvores e arbustos que caracterizam a floresta Mediterrânica destacam-se: a azinheira, o carrasco, o sobreiro, o zambujeiro, a aroeira, a murta, o aderno-de-folhas-estreitas (
Phillyrea angustifolia), o loendro (
Nerium oleander), o género
Rhamnus e ainda o pinheiro, o cedro e o cipreste.
Quanto às plantas tipicamente Mediterrânicas, a maioria das quais com folhas revestidas por óleos aromáticos, destacam-se os géneros
Rosmarinus (e.g. alecrim),
Lavandula (e.g. rosmaninho),
Thymus (e.g. tomilho),
Halimium (sargaços),
Cistus (e.g. esteva, C.
ladanifer) e várias espécies do género
Origanum (e.g. orégão,
O. vulgare). Destas, as cistáceas como a esteva são as que melhor suportam as condições de secura acentuada e solos pouco férteis, sendo por isso comuns nas zonas muito degradadas da região Mediterrânica, conferindo alguma protecção a estes solos pobres e esqueléticos.
Fauna
Segundo um relatório da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (UICN), só na Bacia Mediterrânica existem 1912 espécies de anfíbios, aves (sobretudo migratórias), peixes cartilagíneos, peixes de água doce endémicos, caranguejos e lagostins, mamíferos, libelinhas e répteis. Cerca de 19% destas espécies estão ameaçadas de extinção à escala regional e global (
5% Criticamente em Perigo, 7% Em Perigo e 7% Vulnerável) e pelo menos 16 espécies desapareceram para sempre desta região, incluindo algumas espécies que só existiam aí (e.g. rã-pintada-da-Palestina
Discoglossus nigriventer, ostraceiro-das–Ilhas-Canárias
Haematopus meadewaldoi, Pika-da-Sardenha
Prolagus sardus).
Invertebrados
A diversidade de insectos e outros invertebrados é muito grande, consequência directa do número de espécies de plantas existentes na região. Muitos desenvolveram associações com plantas específicas e são agora totalmente dependentes da sua presença para sobreviverem, como é o caso da borboleta-do-medronheiro (
Charaxes jasius), que se alimenta exclusivamente de folhas de medronheiro, onde também deposita os seus ovos, ou da branca-Portuguesa (
Euchloe tagis), especialista ecológica que, para sobreviver, depende não só das espécies de plantas das quais as suas lagartas se alimentam (assembleias do género
Iberis), como de um tipo específico de habitat, rico em solos calcários.
Anfíbios e Répteis
Enquanto o Mediterrâneo oriental possui uma grande diversidade de répteis (lagartos, serpentes, tartarugas e crocodilos), devido às suas características áridas, as zonas mais húmidas do Mediterrâneo ocidental apresentam uma maior variedade de anfíbios. Das 355 espécies de répteis (excluindo as tartarugas marinhas) do Mediterrâneo, quase metade apenas existem ali e 46 estão em perigo de extinção. Entre as espécies mais importantes, estão a cobra-leopardo (
Elaphe situla) e a lagartixa-da-montanha (
Lacerta monticola). No caso dos anfíbios, uma em cada quatro espécies encontra-se em perigo de extinção e duas em cada três são endémicas (num total de 114 espécies), como é o caso da rã-pirenaica (
Rana pyrenaica) que só existe nos Pirinéus e está em risco de extinção.
Aves
Entre as espécies mais ameaçadas da Bacia Mediterrânica, também estão algumas aves como, por exemplo, a águia-imperial-ibérica (
Aquila adalberti), a águia-de-Bonelli (
Hieraaetus fasciatus), o
abutre-preto (
Aegypius monachus), a cegonha-negra (
Cicconia nigra) e o fura-bucho (
Puffinus mauretanicus), todas elas observáveis em Portugal, sendo a águia-imperial-ibérica a rapina mais rara do nosso país com apenas 4 a 9 casais reprodutores.
A importância do Mediterrâneo para a vida silvestre não se limita à riqueza ou à singularidade da sua flora e fauna residentes: milhões de aves migradoras oriundas do Norte da Europa e de África utilizam as zonas húmidas e outros habitats do Mediterrâneo como escala ou locais de nidificação e invernada.
Mamíferos
No que diz respeito aos mamíferos, uma a cada seis espécies (num total de 330 espécies) estão ameaçadas de extinção à escala regional e um quarto são endémicas. Esta lista inclui várias espécies que ocorrem em Portugal, como é o caso do
lince-ibérico (
Lynx pardinus), da foca-monge-do-Mediterrâneo (
Monachus monachus), da toupeira-de-água (
Galemys pyrenaicus) ou do morcego-dos-Açores (
Nyctalus azoreum). O lince-ibérico é ainda considerado o felino mais ameaçado do mundo e o carnívoro mais ameaçado da Europa, existindo apenas cerca de 200 animais na natureza.
Dentro deste grupo destaca-se ainda o coelho-bravo (
Oryctolagus cuniculus), espécie-chave do ecossistema Mediterrânico, nomeadamente na Península Ibérica, por ser um modelador da paisagem (influencia as comunidades vegetais) e ter um papel essencial no fluxo de energia do ecossistema Mediterrânico Ibérico, ao ser uma importante presa de pelo menos 39 espécies de predadores, algumas delas ameaçadas de extinção, como é o caso do próprio lince-ibérico, da águia-imperial-ibérica, do abutre-preto ou da águia-de-Bonelli. Alvo de um drástico declínio nas últimas décadas, o coelho-bravo está actualmente classificado como espécie
Quase Ameaçada em Portugal. Por ser uma presa ‘base’ no ecossistema Mediterrânico, a diminuição das populações de coelho-bravo enfraqueceu a rede trófica duma forma geral, ameaçando alterações profundas no ecossistema nativo.
Peixes dulciaquícolas
Na Bacia Mediterrânica, nas bacias hidrográficas que correm para o Mar Mediterrâneo e nas águas adjacentes do Atlântico, existem 253 espécies de peixes de água doce endémicas. Segundo a UICN, dentro desta categoria, foram já oito as espécies que se extinguiram e mais de metade (cerca de 58%) estão ameaçadas, incluindo várias espécies nativas de Portugal, como é o caso da boga-de-boca-arqueda (
Iberochondrostoma lemmingii), da boga-do-sudoeste (
I. almacai), do saramugo (
Anaecypris hispanica) e da cumba (
Barbus comizo).
Principais ameaças
A paisagem Mediterrânica é um excepcional centro de diversidade, de espécies e habitats, mas também um dos mais ameaçados. O equilíbrio que existe entre a vegetação, o solo e o clima é muito delicado e, como tal, susceptível a ruptura, nomeadamente como consequência de determinadas actividades humanas. Entre elas estão: a destruição do coberto vegetal decorrente de más práticas de gestão agrícola, pecuária e florestal; a sobreexploração cinegética e pesqueira; a construção de grandes infra-estruturas (e.g. barragens, rodovias); a alteração do regime de incêndios florestais naturais; a exploração de pedreiras e a indústria mineira; a urbanização; a poluição; a introdução de espécies exóticas (e.g. eucalipto
Eucalyptus globulus, lagostim-vermelho-da-Louisiana
Procambarus clarkii); e dificuldades na discussão e implementação de medidas e estratégias de conservação em propriedades privadas.
A intensidade destes impactos é determinada por factores socio-económicos como o crescimento da população ou o despovoamento das zonas rurais, o controlo do governo sobre a agricultura através da atribuição de subsídios, ou a necessidade de criar riqueza através dos recursos florestais, produtos agrícolas e turismo.
Sobre estes factores actuam ainda as catástrofes ambientais naturais, em muito associadas ao clima da região.
A protecção da região Mediterrânica carece não só de acções no terreno para a conservação das espécies e dos habitats e para a consciencialização da população, como de legislação adequada e de uma exploração dos recursos naturais mais sustentável.
Principais actividades económicas associadas à Paisagem Mediterrânica em Portugal
Em Portugal, as actividades rurais associadas à paisagem Mediterrânica mais importantes para a região, pela sua sustentabilidade económica e dos recursos, são: a agro-pecuária, silvicultura, pastorícia e produtos derivados (e.g. cortiça, azeite, queijos, enchidos, presunto, vinhos, aguardente de medronho, mel e cera), a exploração de espécies cinegéticas (caça), a pesca, as actividades tradicionais e o ecoturismo.
A cortiça
A cortiça é a espessa casca que reveste os troncos e ramos do sobreiro e é extraída periodicamente pelo seu grande valor comercial e aplicações no mercado. O principal produto desta matéria-prima são as rolhas. Contudo, a cortiça de menor qualidade e aquela resultante da trituração de subprodutos têm uma vasta aplicação: pavimentos e revestimentos, artigos decorativos, solas e produtos para calçado, aplicações para a indústria automóvel, militar e aeroespacial, ou ainda produtos para a indústria química e farmacêutica. A indústria da cortiça é singular pela sua eco-eficiência e o aproveitamento é de 100%, pois até o pó de cortiça pode ser utilizado para a produção de energia eléctrica.
Os montados são um dos poucos exemplos de exploração florestal totalmente sustentável, inclusive economicamente, devido ao preço de mercado da cortiça.
Portugal é o país do mundo com a maior produção industrial de cortiça e, nalgumas povoações, esta é a principal fonte de rendimento, mantendo essas áreas economicamente viáveis, evitando assim o despovoamento e a desertificação, ao manter os montados ‘vivos’.
A criação de gado
Criação de raças de gado bem adaptadas às exigentes condições da região e criadas em regime extensivo, como é o caso das cabras da raça Serpentina, ovelhas da raça Merina Branca, o porco-preto e gado bovino das raças Alentejana, Garvonesa e Mertolenga. Destaque ainda para alguns produtos derivados, como o couro e a lã, utilizados em trabalhos artesanais, e os enchidos tradicionais que caracterizam e enriquecem a gastronomia regional, como o presunto de porco-preto, queijos frescos, queijos curados, entre outros.
A Caça
A caça é uma prática tão antiga quanto as próprias sociedades humanas. Para além de ser uma importante actividade recreativa (culturalmente), também assegura a manutenção das espécies, cinegéticas e não cinegéticas, através da recuperação e manutenção de habitats que de outra forma se poderiam perder para tipos de uso do solo mais erosivos (e.g. agricultura intensiva). A caça é uma actividade económica muito importante na Península Ibérica (movimentação anual estimada em 350 milhões de euros só em Portugal), ajudando a promover o desenvolvimento rural, criando oportunidades de emprego e movimentando pessoas, atraindo-as a lugares mais despovoados.
As espécies cinegéticas mais exploradas na paisagem Mediterrânica são o coelho-bravo, a perdiz (
Alectoris rufa), o javali (
Sus scrofa), a lebre (
Lepus granatensis) e o veado (
Cervus elaphus). Destas, o coelho-bravo é uma das principais e, por isso, mais importantes espécies cinegéticas em Portugal e Espanha. Contudo, nos últimos 60 anos, as suas populações sofreram uma diminuição drástica (estima-se que para cerca de 5%). Ainda assim, e apesar da caça ao coelho ter sido substituída nalguns locais pela caça à perdiz ou à caça maior em resposta a este declínio, a caça ao coelho-bravo continua a ser uma importante actividade cultural e económica. Como tal, actualmente muitos proprietários e gestores cinegéticos têm investido um esforço significativo em tempo, recursos materiais e económicos, para a recuperação desta espécie.
Actividades tradicionais
O xisto, o barro, o ferro, a madeira, as varas de vime, o buinho, a lã, o couro, o linho, entre outros, são transformados por artesãos em peças de artesanato local (e.g. calçado, vestuário, cestaria em verga, cadeiras de buinho) que mantêm vivos os costumes e as tradições da região.
Ecoturismo
O ecoturismo corresponde a uma forma de turismo da natureza direccionado para o usufruto sustentável do património natural (e.g. observação de aves), incentivando a sua conservação, enquanto busca pela formação de uma consciência ambientalista, através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar e benefício das populações locais. O ecoturismo funciona ainda como um importante veículo de
marketing para atrair potenciais moradores e novas empresas para locais muitas vezes abandonados e despovoados.
Para além destas actividades, há ainda uma quantidade de recursos naturais passíveis de colecta e que representam uma fonte de alimento ou de rendimento extra às populações locais, como as plantas com fins medicinais (e.g. erva de São João
Hypericum perforatum), aromáticas (e.g. orégãos, rosmaninho, poejo
Mentha pulegium), ou de utilização culinária (e.g. espargos), a bolota (muito importante na alimentação do gado criado em regime extensivo), cogumelos silvestres ou até mesmo a esteva, aproveitada como lenha para os fornos de pão tradicionais e para a extracção de óleos essenciais (láudano) para a indústria da perfumaria.
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