Taxonomia
Reino: Animalia
Filo: Chordata
Classe: Mammalia
Ordem: Carnivora
Família: Felidae
Género:
Lynx
Espécie:
L. pardinus
Lynx pardinus (Temminck, 1827), original:
Felis pardina
Estatuto
- Global (União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais, IUCN): CR (Criticamente em Perigo) C2a(i)
- Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal: CR (Criticamente em Perigo)
- Livro Vermelho dos Vertebrados de Espanha: CR (Criticamente em Perigo)
- O lince-ibérico é o mamífero carnívoro mais ameaçado da Europa e o felino mais ameaçado do mundo (
Global Cat Species Vulnerability Rankings – categoria 1), devido ao reduzido número de animais e populações que existem na natureza e à sua limitada área de distribuição.
- Protecção legal:
Directiva Habitats, anexos B-II e B-IV. Espécie prioritária.
Convenção de Berna, Anexo II
Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES), Anexo I A
Distribuição geográfica
Também conhecido como liberne, gato-cravo e lobo-cerval, o lince-ibérico, cujo nome científico é
Lynx pardinus, é um animal muito raro, endémico da Península Ibérica, isto é, existe apenas em Portugal e Espanha, e possui uma distribuição geográfica muito restrita. Em Espanha, actualmente apenas se conhecem duas áreas de reprodução, ambas na Andaluzia, nas regiões da Serra Morena Oriental e de Doñana. Dados recentes apontam ainda para a existência de alguns registos isolados de animais nos Montes de Toledo Oriental, no Sistema Central Ocidental e na Serra Morena Ocidental. Em Portugal, actualmente não se conhecem populações reprodutoras de lince-ibérico, mas a ocorrência de alguns registos esporádicos, alguns dos quais de animais provenientes de populações espanholas à procura de novos territórios (um dos últimos numa das áreas de intervenção deste projecto, na região de Moura / Barrancos, em 2010), tem trazido esperança e um novo alento aos esforços desenvolvidos para a conservação desta emblemática espécie. No total, estima-se que na natureza existam apenas cerca de 300 indivíduos adultos.
História do declínio da espécie
Até ao século XIX, o lince-ibérico ocupava a totalidade da Península Ibérica. Contudo, durante o século XX, a partir dos anos 40 sofreu um declínio muito acentuado. Foi nesta altura que se deu início às campanhas do trigo que levaram à transformação de uma grande área de bosques e matos em extensas searas, destruindo o mosaico de habitat necessário à sobrevivência da espécie. Na década de 50, com o aparecimento da mixomatose na Península Ibérica, e, mais tarde, da doença hemorrágica viral – duas doenças infecciosas que diminuíram em quase 90% as populações da sua principal presa, o coelho-bravo (
Oryctolagus cuniculus) – a situação do lince-ibérico agravou-se. Já nos anos 70 e 80 as plantações intensivas para a indústria da celulose (eucalipto e pinheiro-bravo) vieram deteriorar ainda mais o habitat desta espécie. No início dos anos 90 a população ibérica seria apenas de cerca de 1200 animais e, em Portugal, a espécie só estaria presente em três áreas principais (Serra da Malcata – São Mamede, Vale do Guadiana, Vale do Sado – Odemira – Serras Algarvias), perfazendo um total de não mais que 45 indivíduos. Esta primeira estimativa de um reduzido número de animais, veio confirmar a situação preocupante da espécie para a qual já havia alertas desde a década de 50.
Morfologia
O lince-ibérico é um carnívoro de médio porte – tem entre 50 a 70 cm de altura e 85 a 100 cm de comprimento, pesando de 9 a 10 Kg (fêmeas) ou de 12 a 14 Kg (machos). A sua pelagem castanho-amarelada com manchas negras permite-lhe uma excelente camuflagem por entre a vegetação da paisagem Mediterrânica e cada indivíduo tem um padrão de pelagem único, que o permite distinguir de todos os outros da sua espécie. As suas manchas podem assim ter forma e tamanho variável: os linces da população de Doñana, por exemplo, possuem manchas maiores e melhor contrastadas do que as dos linces da população da Serra Morena.
Com membros muito robustos e quatro garras retrácteis em cada pata, o lince-ibérico consegue facilmente perseguir e capturar as suas ágeis presas – os membros posteriores, mais longos, permitem-lhe impulsionar o corpo a vários metros de altura, quando necessário, e com os membros anteriores, mais curtos e fortes, agarra a sua presa.
O lince-ibérico possui características muito particulares que o permitem distinguir dos outros felinos. Entre elas estão os pêlos rígidos e negros em forma de pincel na extremidade das orelhas e a cauda bastante curta, com cerca de 14 cm de comprimento, e com a extremidade negra. Para além disso, o lince-ibérico possui ainda longos pêlos brancos e pretos no focinho que se assemelham a barbas e que crescem com o avançar da idade.
Ecologia
O lince-ibérico é um carnívoro muito selectivo, não só em termos de alimentação mas também do tipo de paisagem onde vive, pois normalmente está associado a áreas de habitat tipicamente Mediterrânico.
Especialista em coelho-bravo, esta é a principal presa de que se alimenta, constituindo cerca de 80 a 100% da sua dieta. Contudo, o lince é bastante benéfico às populações de coelho-bravo, pois para além de manter as populações de coelho saudáveis (caça preferencialmente animais doentes, velhos ou debilitados), este super-predador afasta ou elimina outros carnívoros seus competidores, que, no seu conjunto, acabam por consumir mais presas do que o lince. Embora em muito menor percentagem, quando se proporciona, o lince-ibérico também se alimenta de outros animais, nomeadamente aves (e.g. perdizes, pegas), pequenos mamíferos (e.g. roedores, lebres) e crias ou juvenis de ungulados silvestres (e.g. veado, gamo).
Em termos de habitat, o lince-ibérico necessita de paisagens mistas, com áreas de bosques e matagais densos, constituídos por azinheiras, sobreiros, medronheiros e matos altos, onde se possa abrigar e reproduzir, e áreas mais abertas, de clareira, que lhe permitam perseguir e capturar as suas presas. As galerias ripícolas junto às linhas de água são igualmente muito importantes, pois para além de proporcionarem abrigo e água, funcionam como corredores de passagem no mosaico de paisagens. De um modo geral, o lince-ibérico evita aproximar-se de áreas urbanizadas e extensos campos agrícolas ou plantações florestais.
O lince-ibérico é uma espécie territorial e tanto os machos como as fêmeas necessitam de grandes áreas de habitat adequado para sobreviverem. Os territórios dos machos são um pouco maiores, variando entre os 10 Km
2 e os 17 Km
2, e podem sobrepor-se aos territórios das fêmeas. A presença de outros carnívoros, como as raposas ou os sacarrabos, dentro dos seus territórios não é tolerada, entrando por vezes em
confrontos que podem terminar com a morte do intruso.
Na natureza desconhece-se ao certo a longevidade que este felino consegue alcançar, estimando-se que possa variar entre os 10 e os 15 anos. Já em cativeiro estes animais podem atingir os 20 anos.
Reprodução
Tal como muitos outros felinos, o lince-ibérico é uma espécie solitária. Os machos só procuram as fêmeas na época da reprodução, quando estas entram no cio, que normalmente acontece entre Janeiro e Fevereiro. Após o acasalamento, o macho regressa ao seu território, não tendo mais contacto com a fêmea nem quaisquer cuidados parentais com as suas crias. Por esta altura a fêmea procura uma toca em cavidades naturais, como o tronco oco de uma grande árvore ou uma zona rochosa, para ter as suas crias, numa área longe da perturbação humana e com alimento e água disponíveis na proximidade. Após dois meses de gestação (65 a 72 dias), nascem entre uma a quatro pequenas crias, sendo que na natureza o mais comum é nascerem três, das quais normalmente apenas sobrevivem duas. Aos dois meses de idade, as crias começam a sair da toca e a acompanhar a progenitora nas suas incursões pelo território, onde aprendem a caçar. Entre o primeiro e o segundo ano de vida, quando a progenitora volta a entrar na época do cio, os jovens linces iniciam, em geral, a dispersão, afastando-se para estabelecer o seu próprio território. Há porém registos de animais que permanecem durante a época de reprodução e exibem comportamentos de coesão familiar.
Principais Ameaças
Foram várias as causas que ao longo das últimas décadas levaram ao rápido declínio das populações de lince-ibérico, em termos de número de indivíduos e de área de distribuição da espécie. Mas o quase desaparecimento deste carismático felino deveu-se essencialmente a duas ameaças principais: a regressão da sua principal presa (o coelho-bravo) e a perda e deterioração do seu habitat. A diminuição drástica do coelho-bravo nos últimos 50 anos deveu-se sobretudo a doenças virais, perda de habitat adequado (como consequência do abandono das práticas agrícolas tradicionais), e algumas práticas cinegéticas desadequadas. Já a perda do habitat do lince é atribuída à substituição dos matagais e bosques Mediterrânicos por plantações de espécies florestais exóticas e/ou de crescimento rápido (e.g. eucalipto, pinheiro-bravo) destinadas à produção florestal intensiva, campos de monoculturas intensivas e extensas pastagens. Por outro lado, a construção de grandes infra-estruturas como barragens e estradas, o sobrepastoreio e os incêndios florestais em áreas de habitat óptimo para esta espécie, também têm contribuído para a deterioração e fragmentação do seu habitat.
Embora com menor importância, existem outros factores que contribuíram para a diminuição do lince-ibérico, entre os quais: morte não natural (e.g. atropelamentos, furtivismo); perturbação humana nas áreas de reprodução; e falta de informação (desconhecimento do importante papel ecológico que a espécie desempenha no ecossistema).
As doenças (e.g. tuberculose bovina, vírus da leucemia felina) também representam um sério risco à sobrevivência deste felino, tendo em conta que se trata de uma espécie geograficamente isolada, com populações com uma reduzida diversidade genética e, portanto, mais vulneráveis. O risco é maior em áreas em que o lince-ibérico partilha o seu habitat com outras espécies silvestres ou domésticas portadoras destas doenças infecciosas.
Bibliografia útil